domingo, 21 de fevereiro de 2010

Como Deus entra na Filosofia? Uma Leitura de Heidegger




No seminário intitulado “A constituição onto-teo-lógica da Metafísica”, Heidegger inicia sua comunicação fazendo um retorno à filosofia de Hegel. O que interessa para Heidegger é entender o que caracteriza a formação do pensamento ocidental, sua tradição e como a questão sobre o Ser é colocada na história. Neste sentido Hegel é um grande momento do pensamento filosófico, e sua teoria traz justamente este fio condutor.
Como coloca Heidegger o objeto do pensamento em Hegel é o “pensamento enquanto tal”, o pensamento em si mesmo, mais que isso, em uma passagem de Hegel, Heidegger identifica uma forte marca da tradição metafísica, neste trecho que se refere à “Ciência da Lógica”, o autor identifica este pensamento em sua maior acepção como “Idéia Absoluta”, e continua, “ Somente a Idéia Absoluta é ser , perene vida, verdade que sabe a si mesma” .Como comenta Heidegger, Hegel usa a palavra recorrente a filosofia, ao pensamento ocidental: SER.

Isto é um indicio desta propensão da filosofia, do pensamento ocidental de se vincular a uma constante suprema a idéia de Ser, mas isto Heidegger vai esmiuçar ao longo de sua obra. O que interessa aqui, é como esta forma mentis, entra na filosofia, como idéia de Deus. O que Hegel faz segundo Heidegger, é traçar o movimento historial do pensamento, que se debruça sobre si mesmo, enquanto tende para Idéia Absoluta, porém Heidegger quer trabalhar sobre o mesmo objeto, mas sem que o objeto seja igual. Na verdade o que procura Heidegger é fazer um “passo de volta”, onde demonstra como o Ser vem sendo confundindo com o ente do ser, ao longo de todo pensamento ocidental. Desde os primórdios do pensamento este sentença vem sendo trocada de muitas formas, uma delas é o conceito de Deus.
O mesmo trajeto historial, que é feito por Hegel e que culmina no Absoluto, para Heidegger deve ser feito, mas visando o ocultamento do Ser no ente, um passo de volta, Historialmente. Sem que a filosofia tomasse conta deste erro de formação, ela foi elaborando maneiras de falar sobre o Ser, mas na verdade estava falando do ente. Isto fica claro com o passo de volta, do regresso, que é contrario ao progresso, ou seja, é uma retomada desde o principio, porem sem buscar o avanço com relação à dialética histórica, mas um confronto e um demonstrar como o ocultamente fez-se pelo esquecimento da diferença entre Ser e ente. O que é afinal a diferença, no dicionário de filosofia encontramos um verbete que se refere a este assunto:

diferença (lat. differentia) Relação de alteridade existente entre duas coisas que possuem elementos idênticos. Quando comparamos dois objetos, eles apresentam semelhanças e diferenças, as diferenças podendo ser de atributos acidentais ou de qualidades essenciais. Aristóteles e a escolástica chamam de "diferença específica" o caráter que distingue uma espécie das outras do mesmo gênero. Tomada nesse sentido. ela se encontra na base de toda definição e de toda classificação. A diferença máxima entre dois objetos, que não têm nenhum traço em comum, é sua contradição.

Vemos como a diferença estabelece uma relação de proximidade entre os termos, eles não são contraditórios, mas correlatos, e é esta relação que Heidegger encontra entre a tomada de lugar do Ser do ente e o Ser, que deixa de ser pensado para então ser ocultado pelo desvelar do ente. É um movimento que demonstra como um foi tomado pelo outro enquanto semelhantes. É no passo de volta que encontramos este diagnóstico, este desvelar que oculta o Ser. Nas palavras de Heidegger, “Falamos da diferença entre ser e o ente. O passo de volta vai do impensado, da diferença enquanto tal, para dentro do que deve ser pensado. Isto é o esquecimento da diferença. O esquecimento aqui a ser pensado é o velamento da diferença enquanto tal, pensado a partir da léthe (ocultamente), velamento que por sua vez originalmente subtrai” .

Este esquecimento, que vem a partir da léthe, é o velamento, seu nascimento parte deste princípio. E com isso começamos a adentrar na nossa busca, que é como Deus entra na filosofia. Este esquecimento é que é o fundador da Metafísica, o ocultamento é que funda a metafísica como disciplina. Esta lógica é que defina em todos os ramos do pensamento ocidental uma maneira de ver o Ser como ser do ente, e este sendo tomado como natural.
Heidegger identifica na obra citada de Hegel, um caminho que inaugura esta lógica, para Hegel, o pensamento se funda a si mesmo, mas como resultado de uma ação especulativa, e seu começo é tomado como resultado. O ser é o pensamento que pensa a si mesmo. E se funda como resultado de uma forma especulativa primitiva. A ciência, pois, é este resultado que dá inicio. Deve-se começar então deste resultado que gerou o inicio. E esta ciência deve começar por Deus. O começo da ciência é Deus.
Isto nos coloca no primeiro caminho para entender a entrada de Deus na filosofia. Como comenta Heidegger, “Se ela deve começar com Deus, ela é a ciência do Deus: Teologia.”. Continua, em outra passagem, “o nome escolástico que surgiu na transição da Idade Média para a Modernidade, para a ciência do ser, quer dizer, do ente enquanto tal em geral, é: ontosofia ou ontologia. Ora bem, a metafísica ocidental, desde o começo nos gregos e ainda ligada a estes nomes, é, simultaneamente, ontologia e teologia.”

Para Heidegger ao se trata de saber como Deus entra na filosofia, mas antes como se dá a constituição onto-teo-lógica da metafísica. Pois este caminho deixará mais nítida a formação da filosofia e do pensamento ocidental e como ele permitiu sua formação a partir do esquecimento da diferença. Este pensamento que é baseado na lógica em seu todo, traz à investigação um sentido mais amplo, pois entender a forma como Deus entra na filosofia esta estritamente ligada a constituição onto-teo-lógica da metafísica, o Logos aqui, designa, o ser do ente enquanto investiga a si mesmo.
Esta lógica estuda o ser do ente no todo enquanto entendemos, partindo ainda da analise da obra de Hegel, como o pensamento que funda a si mesmo quando se especula, tendo como resultado o Ser que é a própria Idéia Absoluta.
O ser do ente aqui é representado como causa fundadora do pensamento, do próprio ente que pensa a si mesmo, e neste sentido a metafísica como estudo do ser do ente enquanto tal é a disciplina que estuda Deus, pois este é a causa primeira do pensamento. Resultado que gera o inicio.
Portanto é na diferença entre ser e ente que reside o desembaraço desta questão. Pois como vimos percebendo ao longo do texto há uma confusão entre Ser e ente, pois, por sua diferença, um é correlato do outro, mas ambos são de âmbitos diferentes de analise. O ente em geral é que tem Ser, mas o Ser não é ente. É só pode ser encontrado neste passo de volta como Ser do ente. Neste sentido esta diferença que se instaura é o elemento fundamental para a busca por uma resposta sobre a entrada de Deus na filosofia. E cabe aqui então compreender o como desta diferença, o “entre” que existe, é, do Ser no ente. O que constitui um e outro e por onde um é tomado por outro.

A diferença é o que permite identificar este ocultamento do Ser, que se oculta quando desvela o ente, este é tomado como Ser e oculta o mesmo tomando seu lugar, como no caso da sentença: o ente é. O é do ente é o ser que esta aí mais não se mostra, ao contrario, mostra o ente, diz o ente sem ser notado. Para Heidegger a metafísica se engana em tomar o ente como o diferente do Ser, pensando o ente enquanto tal. Em suas próprias palavras Heidegger pode nos elucidar esta questão tão obscura:

“Na medida em que a metafísica pensa o ente enquanto tal, no todo, ela representa o ente a partir do olhar voltado para o diferente da diferença, sem levar em consideração a diferença enquanto diferença. O diferente mostra-se como ser do ente em geral e como o ser do ente supremo”

Esta mais claro agora como esta tomada de posição do ser do ente toma o lugar do Ser enquanto tal, tornando-o ser supremo por uma generalização. A metafísica e seu jargões não podem dar inicio, pois, a uma investigação do ser, por terem sua fundamentação no diferente da diferença e não permitindo um contato real com a problemática em questão.
Seus fundamentos tomam o ponto de vista contrario a real motivação do pensamento para a investigação que seria a tomada de posição da observação do que salta da diferença, visto que Ser e ente, ambos saltam da diferença, mas não da analise do Ser do ente, este sendo tomado como causa.
Deus entra na filosofia nesta insuprimível relação presente à diferença que uni Ser e ente como correlatos. E na nossa conversão para a causa originária que está presente na relação inexorável entre Ser e ente. “Esta é a causa como causa sui. Assim soa o nome adequado para o Deus da filosofia. A este Deus não pode o homem nem rezar nem sacrificar.”

Para Heidegger o a-teu é mais próximo do Deus divino, pois, está menos preso à onto-teo-logia, com suas estruturações mal executadas. E nossas dificuldades só começam, pois a linguagem ocidental esta repleta da metafísica, e não se sabe ao certo se há a possibilidade de dizer o não metafísico por suas vias. É certo que ao entrarmos neste caminho, como o passo de volta, teremos vários problemas para argumentar diante desta linguagem metafísica e suas amarras. E como alerta Heidegger, será esta des-coberta apenas mais uma artimanha da metafísica e suas estruturas, o é que está presente mesmo onde não há ser se prolifera por toda parte. O que nos resta e trilhar este caminho e desviar do diferente a caminho da diferença.

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